Atendimentos de apoio psicológico nas faculdades aumentaram 15% durante a pandemia, revela estudo. Psicólogos não chegam para cobrir todas as necessidades e há um número “relevante” de universidades que não disponibiliza apoio psicológico aos alunos. Profissionais querem que existência destes serviços seja considerada um critério na avaliação das instituições e pedem políticas “mais claras, concretas e afirmativas” por parte da tutela
Com vários problemas em cima, desde a pandemia ao fim de uma relação e à morte do avô, de quem era muito próximo, Pedro (nome fictício), estudante que cresceu numa cidade no norte do país, começou por procurar ajuda na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, onde estuda. “Sofro bastante com coisas pequeninas. No ano passado, passei seis meses a chorar sem motivo aparente. Fiz um esforço para sair disso sozinho, sem ajuda, mas desta vez não consegui. Fui-me mesmo muito abaixo. Tinha ataques de pânico todos os dias e mal dormia à noite. Passei semanas seguidas a dormir duas horas por noite, se tanto.” Ter estado infetado com o vírus, sem poder sair de casa durante várias semanas, não ajudou, ainda para mais com tantos deveres académicos pelo meio. “Sinto que estou a trabalhar há mais de um ano sem férias. Estou completamente exausto”, contava ao Expresso no final do último ano letivo.
Não demorou muito a perceber que não ia ter sorte. “A minha faculdade não dá esse apoio. Eu, pelo menos, não encontrei nada no site.” Uma amiga falou-lhe depois sobre o serviço de apoio psicológico prestado pelo Centro Médico da Universidade de Lisboa, localizado no campus da Cidade Universitária, e como os preços são “acessíveis” procurou ajuda aí. Enviou um e-mail para marcar uma consulta e ao fim de dois dias já tinha uma resposta. Chamaram-no para uma sessão, mas não correu como estava à espera. “Quando lá cheguei, descobri que a primeira consulta era só para recolher dados e fazer uma espécie de triagem para ver quem mais necessita de apoio. Falei do que se passava e disseram-me para aguardar, que quando surgisse uma vaga voltariam a entrar em contacto comigo.”
Vários meses depois, o estudante universitário continuava à espera de ser chamado para a segunda consulta — “primeira”, corrige. O plano era procurar ajuda no privado, onde cada consulta pode custar mais de 50 euros. “Os meus pais ajudam-me mas não queria dar-lhes mais essa despesa.”
Segundo um estudo realizado recentemente pela Rede de Serviços de Apoio Psicológico no Ensino Superior (RESAPES), a que o Expresso teve acesso, ainda existe um “número relevante” de faculdades sem serviços de intervenção psicológica para os estudantes. Durante a pandemia, algumas instituições “optaram por criar serviços ‘informais’ de apoio psicológico”, como “serviços não integrados na estrutura orgânica da instituição, não contratação de profissionais especificamente para esta atividade, recorrendo a professores com carga letiva, e contratação de psicólogos para atendimento clínico a tempo parcial”. Outras instituições, reforça o documento, “não dispõem de qualquer tipo de apoio psicológico para os seus estudantes”. Tal acontece devido a “constrangimentos financeiros”, mas também pela “desvalorização ou minimização do impacto da saúde mental dos estudantes no bem-estar, no sucesso académico e no futuro profissional”. Segundo o estudo, há associações de estudantes que têm assumido o “papel de criar e suportar” os custos destes serviços — uma solução que, embora seja de louvar, não é a mais “adequada” nem deve servir como exemplo.
“As limitações de recursos humanos foram e continuam a ser um problema grave e transversal à maioria dos Serviços de Apoio Psicológico do Ensino Superior, tendo-se agravado com a pandemia e o confinamento”
Nas que existem estes serviços, o número de psicólogos é insuficiente. De acordo com o estudo, o rácio de psicólogos por estudante no ensino superior é, “regra geral, muito inferior ao aconselhado” pela Ordem dos Psicólogos Portugueses: um psicólogo para 500 alunos. Além de o rácio “ser inferior ao desejável”, é também “bastante variável” de faculdade para faculdade, verificando-se uma grande “heterogeneidade entre serviços”. “As limitações de recursos humanos foram e continuam a ser um problema grave e transversal à maioria dos SAPES [Serviços de Apoio Psicológico do Ensino Superior], tendo-se agravado com a pandemia e o confinamento”, refere o documento.
No Instituto Politécnico de Coimbra, que participou no estudo, há três psicólogas para cerca de 11 mil estudantes, segundo dados recolhidos pelo Expresso. Na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa são duas para cerca de 8500 alunos e na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, que pertence à mesma universidade, é “uma e meia” para perto de cinco mil. “Como a faculdade verificou que o número de pedidos estava a aumentar durante a pandemia, contratou uma pessoa a meio tempo”, diz a psicóloga Olga Cunha, que trabalha ali há vários anos.
Graça Andrade, presidente da RESAPES, resume a problemática assim: “É muito frequente haver instituições de alguma dimensão em que só há um psicólogo.” No total, são cerca de 100 os profissionais de psicologia que trabalham nas instituições de ensino superior, de acordo com o último levantamento feito pela Ordem dos Psicólogos, adianta Ana Isabel Lage, que pertence à direção desta entidade e trabalhou durante quase dez anos numa faculdade. Trata-se de um “número muito baixo”, considera, tendo em conta o universo total de alunos que frequentam as faculdades do país.
“É urgente que a existência de serviços de apoio psicológico seja considerada um critério na avaliação de qualidade das instituições, assumindo-se assim uma dimensão que ultrapasse uma visão centrada na aprendizagem e investigação”
No estudo citado, apela-se de forma clara ao alargamento destes serviços. “É urgente que a existência de serviços de apoio psicológico seja considerada um critério na avaliação de qualidade das instituições, assumindo-se assim uma dimensão que ultrapasse uma visão centrada na aprendizagem e investigação, e considere também as medidas promotoras da saúde mental, adaptação e desenvolvimento pessoal dos estudantes como uma componente fundamental para o progresso da Academia.” Ana Isabel Lage também defende “uma maior integração dos serviços de psicologia nas estruturas das faculdades e no desenho de políticas e programas de promoção da saúde mental”, algo que requer “uma política mais clara e afirmativa” por parte da tutela, bem como “medidas concretas”.
ATENDIMENTOS DE APOIO PSICOLÓGICO NAS FACULDADES AUMENTARAM 15% DURANTE A PANDEMIA
Ainda de acordo com o estudo da RESAPES, os pedidos de ajuda e os atendimentos de apoio psicológico aumentaram durante a pandemia. Também aumentou o número de ações e iniciativas para promover a integração de novos estudantes e a saúde psicológica dos estudantes (para mais do dobro) e o número de programas de tutoria e mentoria. Por outro lado, diminuíram os programas de voluntariado em que participam estudantes.
Entre maio e junho do ano passado, foram realizados 5.759 atendimentos individuais, o que corresponde a um aumento de 15% face ao período homólogo do ano anterior, quando tinham sido registados 5005. Do total de atendimentos feitos nestes meses de pandemia, mais de metade realizaram-se à distância (65%) — quando em 2019 tinham sido menos de metade (40%) — e a maioria ocorreu no final do período de confinamento e no contexto de situações de “urgência clínica”.
Os pedidos de ajuda também aumentaram. Os serviços que dão apoio psicológico a alunos nas instituições de ensino superior receberam 3.671 pedidos (em 2019, foram 3.659). O aumento é pouco significativo, o que poderá estar relacionado com o acesso a estes serviços. “Estar à distância não facilita muito a acessibilidade dos alunos. Alguns não queriam este tipo de acompanhamento”, sublinha Graça Andrade. Além disso, havia a ideia de que, estando as faculdades encerradas, também os serviços de apoio psicológico estariam, o que “pode ter inibido alguns estudantes” de procurar ajuda.
Destes pedidos, 78,9% foram primeiros contatos, quando no ano anterior essa percentagem se fixara em 72%. Há grandes discrepâncias entre faculdades, com instituições a não ter recebido qualquer pedido e outras com mais de 2.200, o que resulta “da diversidade da dimensão das diferentes instituições, dos diversos âmbitos de atuação” — podendo haver serviços que estão mais vocacionados para intervenções preventivas e não tanto para acompanhamento psicoterapêutico — e também da “variação do rácio alunos/psicólogos”, refere o estudo, em que participaram 16 serviços de apoio psicológico.
A maior parte dos pedidos foi para situações de ansiedade, stress e burnout. Os problemas relacionais foram mencionados “de modo generalizado”, salientando-se os sentimentos de isolamento e as dificuldades na resolução de conflitos e na gestão das relações familiares durante o confinamento, devido a questões como a privacidade. Frequentes foram também os pedidos relacionados com problemas de desempenho académico e situações de depressão.
SESSÕES À DISTÂNCIA PREJUDICADAS PELA FALTA DE PRIVACIDADE EM CASA
Os profissionais destes serviços foram questionados sobre os principais desafios que encontraram durante o período de confinamento. A dificuldade em realizar sessões à distância devido ao facto de os estudantes “não se sentirem à vontade ou por questões de privacidade” foi a dificuldade apontada pelo maior número de serviços (61,5%). As dificuldades de adaptação a novas plataformas para consultas e atividades também afetaram mais de metade destes serviços (53,8%), seguindo-se as dificuldades de adaptação ao teletrabalho e as dificuldades de profissionais e estudantes na ligação à Internet ou outras questões técnicas (ambas com 38,5%).
Embora de forma menos expressiva, foram referidas outras dificuldades em relação aos estudantes e a problemas de ansiedade social que se traduziram em decisões como não ligar a câmara durante as consultas e na “redução da comunicação não verbal nos contactos por videoconferência”, sublinha o estudo. Houve alunos que estavam a ser ajudados por estes serviços mas desistiram deste apoio psicológico durante a pandemia.
Fonte: Expresso
Jornalista: Helena Bento